domingo, 8 de julho de 2007

O cego

Compunha-se deles
não era deles
Via-os, não em si,
Não a si neles
Era o muro no meio
do manto negro
feito de pedra branca
impedia o fluir dos rios
de todos os rios
Muro suado
Muro chorando
Muro em mim me chocando
Mas falta aos navegantes
O tato das pedras férteis, tácteis, tantas
Pães do muro
O muro vomitando verdade

O universo

Cor-de-rosa?
Branca, vermelha, amarela,
até azul e preta

A minha é só rosa,
Como as crianças

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Realidade e Identidade

Havia vielas que sumiam, avenidas transparentes e uma rua intacta e longa. Via em parte...
Entrei na rua persistente, o tempo escuro, o dia escuro, as nuances escuras, ora noite e ora andava nela. Via em parte...
Era de ladrilhos, de asfalto, de areia, mar e formas, e eu massageava-lhe, buscando seu fim.
Transportado por ela ia. Cansado ia. Há anos ia. Encontrei-me logo em início, no asfalto e o concreto do início, com um homem-árvore. Suas raízes penetravam o concreto, buscando ali o desfecho da rua e eu lamentava porque os seus dedos não alcançariam o céu e seus frutozinhos insossos esquecidos esqueciam. Foi o que primeiro causou-me aversão à rua. Rasgando-me, relatei os homens sedentos pelo céu, de raízes concretas. Via em parte...
Alcancei a parte ladrilhada da rua, queria sentar e descansar, queria o fim, mas vi uma antena parabólica captando sinais por aí e enviando para uma casa que parabólica não sabia de significados. Pobre casa parabólica, pobre eu-hiperbólico.
Vi a areia na rua, vi-a de areia, as mulheres de areia vi, esculpidas por alguém que as deixou, pobres damas ligadas por composição à rua. Caminhavam em grãos, pensavam em grãos, cuspiam grãos, mulheres da rua grãos.
Tristeza do poeta! Rua de papel! Só, poeta da rua dormia nela, rolava nela, fazia-se nela. Pobre escritor! Pensava com a rua, pensante rua de papel, rasgava-a e enredava-a, era dela porque tinha que colá-la.
Pobre de mim! Se ao menos alguém me contasse onde desaguava a persistente. Via em parte...
Cansado parei-me, não havia-me visto em espelho ainda. Não encontrara nenhum e necessitaria de dois.
Chorei-me e resolvi descansar, encontrei entre as camadas persistentes, entre todo o mais, uma rocha e ali sentei, descansava, respirava e lamentava. A rocha, limpa que era, refletiu os meus pés e então pude vê-los. Quão bom é enxergar pequenas partes que sejam, pequenas partes têm aversão à cegueira.
Era peregrino naquela rua, não lhe pertencia e me entristeciam todos os homens-árvores, o concreto, a antena, a areia, são todos tristes, cujo trabalho é penetrar os espelhos despreparados. Que triste rua que não sabia o fim!
Sentei, quebrei-me e deixei ir-se para longe a rua de concreto... Não era dali... Vi a parte...

quarta-feira, 14 de março de 2007

O ensaio, o anseio, o anseio

Antes de nascer eu ensaiava
Meu ensaio continha olhos e ouvidos
Nasci mudo
Nasci no mundo
E chorei
Papai batizou-me:
_ Filho
Anseio...
A luminária acendeu um monte
e ele moveu-se de lugar
_ Anseio

De novo

A moça do trem resolveu não ler nada desta vez. Queria de volta o que havia perdido. Queria voltar. O trem era fétido. As pessoas fétidas. Os trilhos tédio. Milhares de olhos nada viam, e ela ali, simplesmente ali. Já não tinha, era vazio. Olhou na janela e não viu o sublime, só formas empoladas querendo vida. Parecia que o mundo tinha se perdido com ela. Chovia. Os homens mascavam chicletes. Os homens olhavam bundas elevadas de espírito. Lá fora o sublime. Fecharam os vidros porque lá fora molhava o trem.
A moça do trem escarrou no chão de madeira, os homens olharam. Havia um pedaço de pau carregado de sentimentos escorrendo por suas frestas. Alguém sentiu enjôo. Então o sentimento sugou o chão, um chão puro, um chão distraído, um chão caro e escasso como os que vimos quando sentíamos.

terça-feira, 13 de março de 2007

Trilogia

Ebenézer

O menino brincava e seu brinquedo caiu-lhe nas mãos, perfurou-as. Olhou o céu roseado, olhou uma árvore florida. O gosto da árvore tocou sua língua; como olhar as árvores e não sentir o gosto? O menino não estava no Éden, o cheiro de desinfetante vindo da casa dava-lhe a certeza. Inspirava, espirava. O menino inspirava e expirava. Ouviu um barulho no portão, teve certeza, correu para os braços do pai, que o abraçou e abraçou; um pai grande e forte o abraçou e viu suas mãos sangrando. O pai grande e forte ficou sensibilizado com o menino, beijou-lhe a testa. O menino finalmente sentiu o mundo, quase podia entendê-lo. O menino inspirava e espirava, inspirava inspirava, esperava...



Palheta

Pôr do sol...
Pôr da lua...
Pôr dos pensamentos...
A vida se põe sobre as árvores,
Dentro das árvores, nela mesma,
O homem não canta a vida
Nem vive seu sol, lua e pensamentos,
A vida vive o homem,
Ele vive o sonho...
O menino brinca no escorregador,
Não olha o espelho.
A imagem lá no céu
Presenteia com o infinito,
O menino brinca na balança,
Ouve o sopro dos discos,
Gaitas bagunçam cabelos.
Orvalho mancha o jeans já desbotado,
O menino brinca na gangorra,
É uma gaivota!
Desce a brisa
Salgando-lhe os lábios,
Adoçando-lhe o olfato...
O menino brinca de vida,
A vida brinca de menino.



Os meninos

Maria era, não a virgem, teve nove filhos e alguns orgasmos. Quatro eram meninos, três meninos, e dois meninos. Era o que ela via na fotografia. Dentre eles, um homem, um homem ela via, um apenas havia, a via.
Ela via o retrato, olhos distantes, sua alma inundada de cânceres.
Jamais vi olhos tão distantes, uma distância que devorava o céu, ela comia terra e tomava água. Eram seis e meia de um outono qualquer, e um despertador a fazia lançar-se inexprimivelmente às margens de um passado inexorável.
Esvaía-se de digressões, lançava-as no lixo consigo mesma, o retrato.
Tudo é casualmente acidental, ela debruçou-se sobre mim e chorou perdida e distantemente como jamais vi, como jamais vi...